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26.12.14

GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.

1808 - Laurentino Gomes

2 OS REIS ENLOUQUECIDOS
Esses problemas agravaram-se mais tarde, já sob o governo de Luís XVI, com o envolvimento da França na guerra da independência americana. O fornecimento de armas e dinheiro para os exércitos do general e primeiro presidente americano George Washington foram fundamentais para a expulsão dos ingleses dos Estados Unidos, mas deixaram a França financeiramente arruinada. Para cobrir suas despesas, a monarquia teve de aumentar impostos, gerando descontentamento da burguesia, como era conhecida a emergente classe dos comerciantes e profissionais autônomos que se enriqueciam sem depender diretamente dos benefícios do rei.

4 O IMPÉRIO DECADENTE
A segunda explicação para a decadência era política e religiosa. De todas as nações da Europa, Portugal continuaria sendo, no começo do século XIX, a mais católica, a mais conservadora e a mais avessa às idéias libertárias que produziam revoluções e transformações em outros países. A força da Igreja era enorme. Cerca de 300000 portugueses — ou 10% da população total do país — pertenciam a ordens religiosas ou permaneciam de alguma forma dependent

4 O IMPÉRIO DECADENTE
Por escrúpulos religiosos, a Ciência e a Medicina eram atrasadas ou praticamente desconhecidas.

4 O IMPÉRIO DECADENTE
Portugal foi o último país europeu a abolir os autos da Inquisição, nos quais pessoas que ousassem criticar ou se opor à doutrina da Igreja, incluindo infiéis, hereges, judeus, mouros, protestantes e mulheres suspeitas de feitiçaria, eram julgadas e condenadas à morte na fogueira

4 O IMPÉRIO DECADENTE
Numa época em que a Revolução Industrial britânica começava a redefinir as relações econômicas e o futuro das nações, os portugueses ainda estavam presos ao sistema extrativista e mercantilista, sobre o qual tinham construído sua efêmera prosperidade três séculos antes. Baseava-se na exploração pura e simples das colônias, sem que nelas fosse necessário investir em infra-estrutura, educação ou melhoria de qualquer espécie

4 O IMPÉRIO DECADENTE
A dependência da economia extrativista fez com que a manufatura nunca se desenvolvesse em Portugal. Tudo era comprado de fora. “A tendência de a abundância de riquezas naturais enfraquecer as instituições e solapar o desenvolvimento sustentado das nações é quase uma maldição”

4 O IMPÉRIO DECADENTE
Portugal foi também o derradeiro a abolir o tráfico de escravos e a assegurar a liberdade de expressão e os direitos individuais.

6 O ARQUIVISTA REAL
A falta de higiene era um problema crônico. “Atirava-se pela janela, sem aviso algum e a qualquer hora do dia ou da noite, a água suja as lavaduras da cozinha, as urinas, os excrementos acumulados de toda a família”, registrou o francês J. B. F. Carrère morador de Lisboa no final do século XVIII. “Quem anda nas ruas desta cidade está sempre em risco de ficar encharcado e coberto de porcaria.”8

8 SALVADOR
Em resumo, Salvador era “uma cidade tipicamente portuguesa, medieval em sua falta de planejamento e no seu desordenado crescimento, formando nítido contraste com as  cidades metodicamente erigidas da América espanhola”, na avaliação do historiador inglês Charles Boxe

8 SALVADOR
Charles Boxer relatou que os pais e maridos de Salvador eram encorajados pela Igreja a manter suas mulheres e filhas reclusas, como forma de evitar que se expusessem à moralidade [pág. 115] relativamente frouxa da cidade. “A freqüência da prostituição de escravas e de outros obstáculos para o caminho de uma vida de família completa, tal como o duplo padrão de castidade como o que existia entre maridos e esposas, concorriam para uma grande quantidade de miscigenação entre homens brancos e mulheres de cor”, escreveu Boxer. “Isso, por sua vez, produzia muitas crianças não desejadas que, se viviam e cresciam, tornavam-se vadias e criminosas, vivendo de suas espertezas e à margem da sociedade.”

8 SALVADOR
O historiador também se refere à “vergonhosa prática de viverem as senhoras dos ganhos imorais de suas escravas, que não só eram encorajadas, mas compelidas a entregar-se à prostituição”

9 A COLÔNIA
Fazia mais de duzentos anos que o tráfico incessante de negros africanos sustentava a prosperidade da economia colonial. Os escravos eram o motor das lavouras de algodão, fumo e cana-de-açúcar, e também das minas de ouro e prata que drenavam a riqueza para a metrópole. Os cativos somados aos negros libertos, mulatos e mestiços — seus naturais aliados entre os pobres que viviam à margem da sociedade colonial — formavam mais de dois terços da população, o que deixava os brancos em minoria.48 Tratava-se de uma situação insustentável e potencialmente explosiva. O pavor das rebeliões de escravos tirava o [pág. 136] sono das famílias brancas, abastadas e bem-educadas.
17 de setembro de 2014
9 A COLÔNIA
Sem o Brasil, Portugal é uma insignificante potência; o Brasil sem forças é um preciosíssimo tesouro abandonado a quem o quiser ocupar”, escreveu em 1779 o secretário da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, ao vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos e Sousa.6

9 A COLÔNIA
Só de Portugal, entre meio milhão e 800000 pessoas mudaram-se para o Brasil de 1700 a 1800. Ao mesmo tempo, o tráfico de escravos se acelerou. Quase 2 milhões de negros cativos foram importados para trabalhar nas minas e lavouras do Brasil durante o século XVIII. Foi uma das maiores movimentações forçadas de pessoas em toda a história da humanidade.

9 A COLÔNIA
Era uma política tão antiga quanto a própria colônia. Ao assumir o cargo, em 1548, o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, recebeu da Coroa portuguesa doze instruções sobre como conduzir os negócios no Brasil. Uma delas, a nona, determinava que o governador deveria “impedir a comunicação de uma capitania a outra pelo sertão, a não ser com a devida autorização”.15 Uma lei de 1733 proibia a abertura de estradas com

9 A COLÔNIA
Uma peculiaridade chamou a atenção de quase todos os viajantes estrangeiros que passaram por São Paulo nessa época: a grande quantidade de prostitutas que saía às ruas ao anoitecer à cata de tropei

9 A COLÔNIA
O contrabando dominava boa parte do comércio da colônia, apesar de todas as tentativas de combatê-lo. Metais e pedras preciosas escoavam pelo Rio do Prata, em direção a Buenos Aires. De lá, seguiam para a Europa, sem pagar impostos à Coroa portuguesa.

9 A COLÔNIA
Uma semana antes da minha chegada, a aldeia fora teatro de extraordinária aventura. Um tropeiro, que ia ao Rio de Janeiro com vários burros carregados, foi alcançado por dois soldados de cavalaria, mandados em sua perseguição; pediram-lhe a espingarda e furaram a coronha com prego. Vendo que ela estava oca, tiraram a guarnição de ferro que lhe recobria a base e descobriram uma cavidade que continha trezentos quilates de diamantes.

9 A COLÔNIA
Entre 1772 e 1800, um total de 527 brasileiros se formou em Coimbra, então a mais respeitada universidade do império português e um centro de formação da elite intelectual que, depois de D. João VI, constituiria o que Sérgio Buarque de Holanda chamou de “a classe dirigente brasileira”

9 A COLÔNIA
A existência dessa pequena elite intelectual representava uma proeza numa colônia em que tudo se proibia e censurava. Livros e jornais eram impedidos de circular livremente. Carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho ao governador da Bahia, D. Fernando José de Portugal, em 1798, recomendava vigilância severa sobre a circulação de livros, pois havia informações na corte de que os principais cidadãos de Salvador se achavam “infectados dos abomináveis princípios franceses”.42

9 A COLÔNIA
D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número [pág. 135] de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal.

9 A COLÔNIA
O mesmo Hipólito que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto,

10 O REPÓRTER PERERECA
as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio de Janeiro tiveram uma reação surpreendente. Acharam que aquela seria a última moda na Europa. Dentro de pouco tempo, quase todas elas passaram a cortar os cabelos e a usar turbantes para imitar as nobres portuguesas.13

10 O REPÓRTER PERERECA
Carlota, as filhas princesas e outras damas da corte tinham desembarcado com as cabeças raspadas ou cabelos curtos, protegidas por turbantes, devido à infestação de piolhos que havia assolado os navios durante a viagem. Tobias Monteiro conta que, ao ver

10 O REPÓRTER PERERECA
Por fim, fechando o cortejo, vinha o pálio sob o qual caminhava a família real. As [pág. 146] varas desse pálio eram sustentadas por oito pessoas, entre as quais se destacava

10 O REPÓRTER PERERECA
Amaro Velho da Silva, um dos maiores traficantes de escravos do Brasil na época.

10 O REPÓRTER PERERECA
Mais complicado foi encontrar habitação para os milhares de acompanhantes da corte, recém-chegados à cidade que ainda era relativamente pequena, com apenas 60000 habitantes. Por ordem do conde dos Arcos, criou-se o famigerado sistema de “aposentadorias”, pelo qual as casas eram requisitadas para uso da nobreza. Os endereços escolhidos eram marcados na porta com as letras PR, iniciais de Príncipe Regente, que imediatamente a população começou a interpretar como “Ponha-se na Rua”. Hipólito da Costa, editor do Correio Braziliense, dizia que o sistema de aposentadorias era um regulamento “medieval”, um “ataque direto ao sagrado direito de propriedade”, que “poderia tornar o novo governo no Brasil [pág. 148] odioso para seu povo”.

10 O REPÓRTER PERERECA
A arrogância e a prepotência dos que chegavam de além-mar resultaram em vários casos de abuso no sistema de aposentadorias. O conde de Belmonte apoderou-se de uma casa recém-construída pelo patrão-mor do porto, e jamais habitada. Ali permaneceu por dez anos, sem pagar aluguel, enquanto o proprietário se alojava com toda a numerosa família numa pequena moradia erguida ao lado da mansão ocupada pelo conde, que assumiu até seus escravos sem lhe dar satisfação alguma.

10 O REPÓRTER PERERECA
os problemas e o custo dos primeiros anos da família real no Rio de Janeiro foram enormes. Era preciso alimentar e pagar as despesas de uma corte ociosa, corrupta e perdulária. Isso aconteceu de duas formas. A primeira foram as listas de subscrição voluntária, que os ricos e poderosos da colônia assinaram de muito boa vontade porque tinham a certeza de obter em troca rápidas e generosas vantagens. Como se verá nos próximos capítulos, muita gente se enriqueceu com a chegada da família real. A segunda foi o aumento indiscriminado de taxas e impostos, que o povo todo pagou sem conseguir avaliar de imediato que benefícios teria com isso.

12 O RIO DE JANEIRO
A urina e as fezes dos moradores, recolhidas durante a noite, eram transportadas de manhã para [pág. 157] serem despejadas no mar por escravos que carregavam grandes tonéis de esgoto nas costas. Durante o percurso, parte do conteúdo desses tonéis, repleto de amônia e uréia, caía sobre a pele e, com o passar do tempo, deixava listras brancas sobre suas costas negras. Por isso, esses escravos eram conhecidos como “tigres”.

12 O RIO DE JANEIRO
À mesa, observou que “os dedos são usados com tanta freqüência quanto o próprio garfo”. Mais do que isso, era comum uma pessoa se servir do prato do vizinho com as mãos. “Considera-se como prova incontestável de amizade alguém servir-se do prato de seu vizinho; e, assim, não é raro que os dedos de ambos se vejam simultaneamente mergulhados num só prato”, anotou

13 D. JOÃO
ntemente desprezado por sua fraqueza e sua covardia. Com sua opinião ninguém se preocupava, e isto o levava a esconder seus sentimentos, bem como a procurar vencer adiando as soluções, lançando seus conselheiros uns contra os outros, um ministro em oposição a seus colegas Lograva realizar seus intuitos pela força tremenda da apatia e do adiamento. Triunfava cansando seus adversários”

13 D. JOÃO
D. João referia-se a si mesmo sempre na terceira pessoa: “Sua Majestade quer comer”, “Sua Majestade quer passear”, “Sua Majestade quer dormir”.21

13 D. JOÃO
A aversão extremada às mudanças incluía sua própria indumentária. Ao contrário dos reluzentes reis da França e Espanha que o precederam, D. João vestia-se mal. Repetia a mesma roupa todos os dias e recusava-se a trocá-la mesmo quando já estava suja e rasgada. “A sua roupa habitual era uma [pág. 174] vasta casaca sebosa de galões velhos, puída nos cotovelos” conta Pedro Calmon. Na algibeira dessa casaca, o rei levava os famosos franguinhos assados na manteiga, sem ossos, que devorava no intervalo das refeições.23 “Tendo horror a roupas novas, enfiava El-Rei as mesmas que tinha vestido na véspera e cada dia resistiam menos à pressão de suas nádegas e coxa: espantosamente gordas”, acrescenta Tobias Monteiro. “Os criados notavam os rasgões, mas nada ousavam dizer-lhe. Aproveitavam-lhe as horas de sono, durante a sesta, para então costurar-lhe os calções sobre o corpo.”24

13 D. JOÃO
“D. João não se dava ao trabalho de pensar”, conta Tobias Monteiro. “Por mais insignificante que fosse a decisão para tomar, cabia a Tomás Antônio resolver.”26

13 D. JOÃO
D. João dependia da orientação de Villa Nova Portugal mesmo nas conversas com o filho, o príncipe D. Pedro. “Até este momento ainda não falei a meu filho, quero que me diga se está na mesma opinião; diga-me o que lhe devo dizer e, se houver réplica, o que lhe devo responder

14 CARLOTA JOAQUINA
Exigia, sob ameaças, que as pessoas lhe prestassem homenagem quando saía pelas ruas do Rio de Janeiro. Pelo protocolo, os homens tinham de tirar o chapéu e se ajoelhar diante da família real, em sinal de respeito

15 O ATAQUE AO COFRE
Quem furta pouco é ladrão Quem furta muito é barão  Quem mais furta e esconde Passa de barão a visconde.21 [pág. 194] Nas suas cartas, o arquivista real Luiz Joaquim dos Santos Marrocos também reproduz um verso popular sobre eles: Furta Azevedo no Paço  Targini rouba no Erário E o povo aflito carrega Pesada cruz ao Calvário.22

15 O ATAQUE AO COFRE
“Os novos hóspedes pouco se interessavam pela prosperidade do Brasil. Consideravam temporária a sua ausência de Portugal e propunham-se mais a enriquecer-se à custa do Estado do que a administrar justiça ou a beneficiar o público.”2

15 O ATAQUE AO COFRE
A demanda era tão grande que, por ordem do administrador da Ucharia Real, a repartição responsável pelos [pág. 189] depósitos de comida da corte, todas as galinhas à venda no Rio de Janeiro deveriam ser, prioritariamente, compradas por agentes do rei. A decisão provocou escassez dessas penosas no mercado e revolta nos moradores da cidade. Numa carta a D. João VI, eles reclamaram da falta de galinhas e também do comportamento dos funcionários da despensa real, que passaram a vendê-las no mercado paralelo, cobrando um sobrepreço.7

15 O ATAQUE AO COFRE
O historiador Oliveira Lima, citando os relatos do inglês Luccock, diz que se cobrava uma comissão de 17% sobre todos os pagamentos ou saques no tesouro público. Era uma forma de extorsão velada: se o interessado não comparecesse com os 17%, os processos simplesmente paravam de andar.14 “A época de D. João VI estava destinada a ser na história brasileira, pelo que diz respeito à administração, de muita corrupção e peculato”, avaliou Oliveira Lima.15

16 A NOVA CORTE
Na primeira lista de subscrições, de 1808, a metade dos contribuintes era traficante de escravos.8 Um deles, José Inácio Vaz Vieira, responderia sozinho por 33% do tráfico catalogado entre 1813 e 1822. Foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo em 1811.

16 A NOVA CORTE
Todos os cronistas e viajantes da época se referem ao Rio de Janeiro como uma cidade rica e próspera, sem refinamento. “Percebe-se a exibição da quantidade, talvez uma forma de auto-afirmação da nova elite”, ponderou o historiador Jurandir Malerba

16 A NOVA CORTE
O oficial da Marinha americana Henry Marie Brackenridge ficou intrigado ao notar nas ruas do Rio de Janeiro o número de pessoas que portavam fitas, laços, medalhas e condecorações, na tentativa de se distinguir umas das outras.

18 A TRANSFORMAÇÃO
A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado em território nacional, começou a circular no dia 10 de setembro de 1808, impresso em máquinas trazidas ainda encaixotadas da Inglaterra. Com uma ressalva: só imprimia notícias favoráveis ao governo.

18 A TRANSFORMAÇÃO
um símbolo indiscutível de status era o número de escravos e serviçais que acompanhavam seus senhores nas ruas do Rio de Janeiro. Os mais ricos e poderosos tinham as maiores comitivas e faziam questão de exibi-las como símbolo de sua importância social.

19 O CHEFE DA POLÍCIA
“Em cinco dias, contaram-se em pequeno circuito 22 assassinatos, e numa noite defronte à minha porta fez um ladrão duas mortes e feriu um terceiro gravemente.”2 Marrocos reclamava que havia negros e pobres em demasia nas ruas do Rio de Janeiro e que a maioria se vestia de forma indecorosa.

19 O CHEFE DA POLÍCIA
A capoeira era um símbolo de cultura africana, ostentado orgulhosamente pelos escravos nas ruas do Rio de Janeiro”, relata a historiadora Leila Mezan Algranti. Era também um meio de defesa, temido pelas patrulhas policiais que rondavam a cidade. Os negros poderiam ser presos apenas por assoviarem o ritmo da capoeira

19 O CHEFE DA POLÍCIA
major Miguel Nunes Vidigal. Segundo-comandante da nova Guarda Real, Vidigal tornou-se o terror da malandragem carioca. Ficava à espreita nas esquinas ou aparecia de repente nas rodas de capoeira ou nos batuques em que os escravos se confraternizavam bebendo cachaça até tarde da noite. Sem se importar com qualquer procedimento legal, mandava que seus soldados prendessem e espancassem qualquer participante desse tipo de atividade

19 O CHEFE DA POLÍCIA
Em recompensa pelos seus serviços, Vidigal recebeu de presente dos monges beneditinos, em 1820, um terreno ao pé do Morro Dois Irmãos.

19 O CHEFE DA POLÍCIA
O médico propunha a criação de cemitérios “onde sejam enterrados os ricos e os pobres, estabelecendo-se aí aquelas diferenças necessárias a conservar as diferenças sociais”.23

20 A ESCRAVIDÃO
Quando uma pessoa quer comprar um escravo, ela visita os diferentes depósitos, indo de uma casa a outra, até encontrar aquele que lhe agrada. Ao ser chamado, o escravo é apalpado em várias partes do corpo, exatamente como se faz quando se compra um boi no mercado. Ele é obrigado a andar, a correr, a esticar seus braços e pernas bruscamente, a falar, a mostrar a língua e os dentes. Esta é a forma considerada correta para avaliar a idade e julgar o estado de saúde do escravo.5

20 A ESCRAVIDÃO
Em resumo, de cada cem negros capturados na África, só 45 chegavam ao destino final.

20 A ESCRAVIDÃO
Temendo perder toda a carga antes de chegar ao destino, o capitão Luke Collingwood decidiu jogar ao mar todos os escravos doentes ou desnutridos. Ao longo de três dias, 133 negros foram atirados [pág. 244] da amurada, vivos. Só um conseguiu escapar e subir novamente a bordo. O dono do navio, James Gregson, pediu indenização à seguradora pela carga perdida. A empresa de seguros, em Londres, recorreu à Justiça. Pelas leis inglesas, se o negro morresse a bordo, por maus-tratos, fome ou sede, a responsabilidade seria do capitão do navio. Se caísse no mar o seguro cobriria. Nesse caso, a Justiça decidiu que a seguradora tinha razão. O capitão era culpado pelas mortes. O caso abriu os olhos dos britânicos para a crueldade do tráfico negreiro e se tornou um ícone do movimento abolicionista no mundo todo.16

20 A ESCRAVIDÃO
No Rio de Janeiro, os traficantes de escravos eram empresários proeminentes, reverenciados e respeitados. Tinham influência na sociedade e nos negócios do governo. Na corte de D. João, eles se destacavam entre os grandes doadores, recompensados com honrarias e títulos de nobreza.

20 A ESCRAVIDÃO
Despejados aos milhares no porto do Rio de Janeiro pelos navios negreiros, os escravos eram um bem relativamente barato e acessível mesmo às famílias de classe média da corte de D. João.

20 A ESCRAVIDÃO
Relato de 1782 do viajante espanhol Juan Francisco de Aguirre registra que os trinta monges do Convento de São Bento, então o mais rico do Brasil, viviam dos rendimentos proporcionados por “quatro engenhos de açúcar, que empregam 1200 escravos, e de algumas casas de aluguel espalhada pela cidade”. Segundo Aguirre, também os monges beneditinos e os padres jesuítas possuíam escravos nessa época.24

20 A ESCRAVIDÃO
Todos os que conseguem adquirir uma meia dúzia de escravos [pág. 247] passam a viver na mais completa ociosidade — explorando os rendimentos do trabalho dos seus negros — e a caminhar pela rua solenemente, com grande empáfia”

20 A ESCRAVIDÃO
Quantidade tão absurda de chibatadas deixava as costas ou as nádegas do escravo em carne viva. Numa época em que não havia antibióticos, o risco de morte por gangrena ou infecção generalizada era grande. Por isso, banhava-se o escravo com uma mistura de sal, vinagre ou pimenta malagueta — numa tentativa de evitar a infecção das feridas.31

20 A ESCRAVIDÃO
O pintor Jean Baptiste Debret conta que, no Rio de Janeiro, escravos acusados de faltas graves, como fuga ou roubo, eram punidos com cinqüenta a duzentas chibatadas. [pág. 250] Seu dono tinha de comparecer ao calabouço munido de autorização do intendente de polícia na qual deveriam constar “o nome do delinqüente e o número de chibatadas que deverá receber”. O carrasco, encarregado de executar o castigo, recebia uma pataca por cem chibatadas aplicadas. Pataca era uma antiga moeda de prata no valor de 320 réis. “Todos os dias, entre 9 e 10 horas da manhã, pode-se ver a fila de negros que devem ser punidos”, escreveu Debret.

20 A ESCRAVIDÃO
a coroa portuguesa tinha ordenado que todos os negros que fossem achados em quilombos, [pág. 252] “estando neles voluntariamente”, deveriam ser marcados com um F (de fugido) nas costas sobre o ombro. Os reincidentes teriam, na segunda fuga, uma das orelhas cortadas e, na terceira, seriam condenados à morte.

20 A ESCRAVIDÃO
Aos negros mortos em escaramuças com a polícia, cortam-lhes as cabeças. Entregues à Justiça, são elas espetadas em paus e colocadas nas esquinas das ruas principais como advertência.

20 A ESCRAVIDÃO
Viana desaconselha dar liberdade aos escravos porque o país não poderia correr o risco de ter uma grande população negra livre. “Os males que da gente preta devemos esperar há de vir (mais) pela de condição liberta que da cativa”, advertia

21 OS VIAJANTES
Os sertanejos são corajosos, sinceros, generosos e hospitaleiros. Quando se lhes pede um favor, não o sabem negar. Entrando em negócios de gado, ou qualquer outro, o caráter muda. Procurarão enganar-vos, olhando o sucesso como prova de habilidade, digna de elogio.”

21 OS VIAJANTES
“O Brasil não é lugar de literatura”, afirmou James Henderson “Na verdade, a sua total ausência é marcada pela proibição geral de livros e a falta dos mais elementares meios pelos quais seus habitantes possam tomar conhecimento do mundo e do que se passa nele. Os habitantes estão mergulhados em grande ignorância e sua conseqüência natural: o orgulho

21 OS VIAJANTES
Aqui, a natureza tem feito muita coisa — o homem, nada. Aqui, a natureza oferece inumeráveis temas de estudo e admiração, enquanto os homens continuam a vegetar na escuridão da ignorância e na extrema pobreza, conseqüência apenas da preguiça.”

23 A REPÚBLICA PERNAMBUCANA
4 “A estrutura da autoridade entrou em colapso porque os elementos da sociedade mais identificados com a Coroa tinham colaborado ativamente com o movimento rebelde.”

23 A REPÚBLICA PERNAMBUCANA
voracidade fiscal de D. João VI. “Paga-se em Pernambuco um imposto para a iluminação das ruas do Rio de Janeiro, quando as do Recife ficam em completa escuridão”, escreveu o inglês Henry Koster, que morava no Recife na época da revolução. Koster dizia ainda que os salários dos numerosos funcionários públicos eram baixos e mal garantiam a sobrevivência das famílias. “Conseqüentemente, o peculato, a corrupção e outros delitos são freqüentes e quase sempre escapam à punição”, observou.8

23 A REPÚBLICA PERNAMBUCANA
A escravidão era mantida, para não ferir os interesses dos senhores de engenho adeptos do movimento. Foram abolidos os impostos sobre o comércio. Os militares receberam aumento nos soldos. Os que tinham participado da rebelião foram beneficiados com promoções relâmpago. Domingos Teotônio, um dos chefes da nova junta de governo, promoveu a si próprio de capitão a coronel.15

24 VERSAILLES TROPICAL
A forma como esses rituais foram encenados demonstram claramente que D. João VI não estava muito preocupado com a opinião dos súditos brasileiros. O objetivo era impressionar seus pares na Europa

24 VERSAILLES TROPICAL
O imperador e a família foram servidos em baixela de ouro. Os demais convidados, em baixela de prata. Custo: 1 milhão de florins ou 1,5 milhão [pág. 295] de francos”.3 Atualizado pela inflação dos últimos duzentos anos, seria hoje o equivalente a cerca de 18 milhões de reais.4 É um número espantoso: aproximadamente 9000 reais por pessoa.

24 VERSAILLES TROPICAL
ela pode ser considerada totalmente estranha aos hábitos europeus e completamente exótica. Nenhuma outra corte tem tantos empregados, guarda-roupas, assistentes, servos uniformizados e cocheiros.

25 PORTUGAL ABANDONADO
Com privilégios e propriedades a resguardar, os nobres procuraram aderir rapidamente ao conquistador. Mal o príncipe regente havia embarcado para o Brasil, uma numerosa delegação da elite portuguesa foi à cidade de Bayonne, na França, prestar homenagens a Napoleão.

25 PORTUGAL ABANDONADO
O panfleto, que provocou indignação no Rio de Janeiro, perguntava que lugar D. João deveria escolher para morar — “a terra dos macacos, dos pretos e das serpentes, ou o país de gente branca, dos povos civilizados, e amantes do seu Soberano”. E terminava dizendo: “Voltemos agora os olhos daquele país selvagem e inculto, cá para esta terra de gente, para Portugal!”

27 O NOVO BRASIL
A preservação da integridade territorial foi, portanto, uma grande conquista de D. João VI. Sem a mudança da corte portuguesa, os conflitos regionais teriam se aprofundado, a tal ponto que a separação entre as províncias seria quase inevitável. “Essas colônias estariam de fato perdidas para a metrópole se D. João não migrasse para o Brasil”, afirmou em suas memórias o almirante Sir Sidney Smith, comandante da esquadra que trouxe a corte para o Rio de Janeiro.

27 O NOVO BRASIL
Graças a D. João VI, o Brasil se manteve como um país de dimensões continentais, que hoje é o maior herdeiro da língua e da cultura portuguesas.

27 O NOVO BRASIL
ao mudar o Brasil, D. João VI o perdeu para sempre. O resultado foi a Independência, em 1822. “As portas fechadas durante trezentos anos estavam abertas de repente, e a colônia ficou fora do controle da metrópole”, assinalou o historiador Alan K. Manchester. “O contato com o mundo exterior despertou a colônia entorpecida: introduziram-se nova gente, novo capital e novas idéias. Como conseqüência, os brasileiros acharam que seu destino era maior e mais importante.”

27 O NOVO BRASIL
Pobre, analfabeto e dependente de mão-de-obra escrava, o novo Brasil deixado por D. João ao seu filho D. Pedro I continuava anestesiado por três séculos de exploração colonial que haviam inibido a livre iniciativa e o espírito empreendedor

27 O NOVO BRASIL
Ao contrário dos Estados Unidos, onde a independência teve como motor a república e a luta pelos direitos civis e pela participação popular, no Brasil o sonho republicano estava restrito a algumas parcelas minoritárias da população. Quando apareceu nas rebeliões regionais, foi imediatamente reprimido pela Coroa. Por isso, o caminho escolhido em 1822 não era republicano nem genuinamente revolucionário. Era apenas conciliatório.

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