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23.1.15

KANT, Immanuel. O que é iluminismo? 1784.

Iluminismo (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro.

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem- se em permanecer por toda sua vida menores.

É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa.

Esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranqüilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas.

É portanto difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza.

Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos destinados ao uso racional, ou antes ao mau uso de seus dons naturais, são os entraves desses estado de minoridade que se perpetua. Quem o rejeitasse, no entanto, não efetuaria mais do que um salto incerto por cima do fosso mais estreito que seja, pois ele não tem o hábito de uma tal liberdade de movimento.

Esse Iluminismo não exige todavia nada mais do que a liberdade;

Mas ouço clamar de todas as partes: não raciocinai! O oficial diz: não raciocinai, mas fazei o exercício! O conselheiro de finanças: não raciocinai, mas pagai! O padre: não raciocinai, mas crede!

Em toda parte só se vê limitação da liberdade.

O cidadão não pode recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos; a crítica insolente de tais impostos no momento em que ele tem a obrigação de pagá-los pode até ser punida como um escândalo (que poderia provocar rebeliões gerais). Mas não está em contradição com seu dever de cidadão se, enquanto erudito, ele manifesta publicamente sua oposição a tais imposições inoportunas ou mesmo injustas

Uma época não pode se aliar e conspirar para tornar a seguinte incapaz de estender seus conhecimentos (sobretudo tão urgentes), de libertar-se de seus erros e finalmente fazer progredir o Iluminismo. Seria um crime contra a natureza humana, cuja vocação original reside nesse progresso;

Um príncipe que não julga indigno de si mesmo que ele considere como um dever nada prescrever aos homens em matéria de religião, que lhes deixa sobre esse ponto uma liberdade total, e recusa, no que lhe diz respeito, o orgulhoso termo de tolerância, é ele mesmo esclarecido, e por ter sido o primeiro a libertar o gênero humano de sua minoridade, pelo menos no que concernia ao governo, e por ter deixado a cada um livre de se servir de sua própria razão em todas as questões de consciência, merece ser louvado pelo mundo que lhe é contemporâneo, e pelo futuro agradecido.

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