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17.3.15

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

NOTAS DE
MANUSCRITOS ECONÔMICO-FILOSÓFICOS, DE KARL MARX

O Trabalho Alienado

Demonstramos que o trabalhador afunda até um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção;

O resultado forçoso da competição é o acumulo de capital em poucas mãos, e assim uma restauração do monopólio da forma mais terrível; e, por fim, que a distinção entre capitalista e proprietário de terras, e entre trabalhador agrícola e operário, tem de desaparecer, dividindo-se o conjunto da sociedade em duas classes de possuidores de propriedades e trabalhadores sem propriedades.

O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens.

O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e por conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades.

A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos.

O produto do trabalho humano é trabalho incorporado em um objeto e convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho. A execução do trabalho é simultaneamente sua objetificação.

Todas essas conseqüências decorrem do fato de o trabalhador ser relacionado com o produto de seu trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que, baseado nesta premissa, quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho tanto mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio.

O trabalhador põe a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém, ao objeto. Quanto maior for sua atividade, portanto, tanto menos ele possuirá. O que está incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele minguará.

Por certo, o trabalho humano produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador.

A relação direta do trabalho com seus produtos é a entre o trabalhador e os objetos de sua produção. A relação dos possuidores de propriedade com os objetos da produção e com a própria produção é meramente uma conseqüência da primeira relação e a confirma.

Portanto, quando perguntamos qual é a relação importante do trabalho, estamos interessados na relação do trabalhador com a produção.

O trabalho exteriorizado, trabalho em que o ser humano se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação.

a atividade do trabalhador não é sua própria atividade espontânea. É atividade de outrem e uma perda de sua própria espontaneidade.

Chegamos à conclusão de que o ser humano (o trabalhador) só se sente livremente ativo em suas funções animais - comer, beber e procriar, ou no máximo também em sua residência e no seu próprio embelezamento - enquanto que em suas funções humanas se reduz a um animal.

Atividade como sofrimento (passividade), vigor como impotência, criação como emasculação, a energia física e mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal (pois o que é a vida senão atividade?) como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele e não pertencente a ele. Isso é auto- alienação, ao contrário da acima mencionada alienação do objeto.

Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao ser humano apenas como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física.

Assim como o trabalho alienado transforma a atividade livre e dirigida pelo próprio indivíduo em um meio, também transforma a vida do ser humano como membro da espécie em um meio de existência física.

Ele aliena o ser humano de seu próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida mental e de sua vida humana.

“Suponha-se que tenhamos produzido de uma maneira humana; cada um de nós, em sua produção, teria afirmado duplamente a si mesmo e a seus semelhantes. (1) Eu teria objetivado na minha produção a minha individualidade, com suas peculiaridades e, assim, tanto na minha atividade eu teria conseguido uma expressão individual de minha vida, quanto ao olhar para o objeto eu teria tido o prazer pessoal de perceber que minha personalidade era objetiva, perceptível aos sentidos e, portanto, um poder que se levantava inquestionavelmente. (2) Quando você usasse ou desfrutasse de meu produto, eu teria tudo a satisfação direta de perceber que eu não só havia satisfeito uma necessidade humana com o meu trabalho como objetivado a essência humana e, portanto, modelado para outro ser humano o objeto que atendia à sua necessidade. (3) Para você, eu teria sido o mediador entre você e a espécie e, desse modo, eu teria sido reconhecido, teria sido sentido por você como um complemento de sua própria essência e uma parte necessária de você mesmo, e teria assim percebido que sou confirmado tanto em seu pensamento quanto em seu amor. (4) Na minha expressão da minha vida eu teria modelado a sua expressão da sua vida, concebendo assim, na minha atividade, a minha própria essência, a minha essência humana, comunal”.

Se minha própria atividade não me pertence, mas é uma atividade alienada, forçada, a quem ela pertence? A um ser, outro que não eu. E que é esse ser?

O ser estranho a quem pertencem o trabalho e o produto deste, a quem o trabalho é devotado, e para cuja fruição se destina o produto do trabalho, só pode ser o próprio ser humano.

Se sua atividade é para ele um tormento, ela deve ser uma fonte de satisfação e prazer para outro.

Se ele está relacionado com sua atividade como com uma atividade não-livre, então está relacionado com ela como uma atividade a serviço e sob jugo, coerção e domínio de outro ser humano.

Tal como ele cria sua própria produção como uma perversão, uma punição, e seu próprio produto como uma perda, como um produto que não lhe pertence, assim também cria a dominação do não-produtor sobre a produção e os produtos desta. Ao alienar sua própria atividade, ele outorga ao estranho uma atividade que não é deste.

A relação do trabalhador com o trabalho também provoca a relação do capitalista (ou como quer que se denomine ao dono da mão-de- obra) com o trabalho. A propriedade privada é, portanto, o produto, o resultado inevitável, do trabalho alienado, da relação externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo.

A Economia Política inicia tomando o trabalho como a verdadeira alma da produção e, a seguir, nada lhe atribui, concedendo tudo a' propriedade privada. Proudhon, defrontando-se com essa contradição, decidiu em favor do trabalho contra a propriedade privada.

No sistema de salários, o trabalho aparece não como um fim por si mas como o servo dos salários.

Um aumento de salários imposto não passaria de uma remuneração melhor de escravos, e não restauraria, seja para o trabalhador seja para o trabalho, seu significado e valor humanos.

A Relação da Propriedade Privada

Como capital, o valor do trabalhador varia conforme a oferta e a procura, e sua existência física, sua vida, foi e é considerada um estoque de mercadoria, similar a qualquer outra.

Os salários têm exatamente o mesmo significado da manutenção de qualquer outro instrumento de produção e do consumo de capital em geral, de modo a que este possa reproduzir-se a si mesmo com juros. É como o óleo aplicado a uma roda para conservá-la rodando.

O verdadeiro objetivo da produção não é o número de trabalhadores sustentados por determinado capital, porém o volume de juros que ele adquire, a poupança total anual.

O capitalista só poderia aumentar os ganhos pelo rebaixamento dos salários e vice-versa.

Existência abstrata do homem como um mero trabalhador que, por conseguinte, diariamente salta de sua nulidade realizada para a nulidade absoluta, para a não-existência social, e por isso real.

Relação inversa entre salários e juros do capital.

A distinção entre capital e terra, lucro e arrendamento de terra, e a distinção entre salários, indústria, agricultura, propriedade privada imóvel e móvel, é uma distinção histórica, nunca uma distinção inscrita na natureza das coisas.

Com a transformação do escravo em trabalhador livre, isto é, em assalariado, o próprio dono da terra é transformado em um senhor da indústria, em um capitalista.

Propriedade Privada e Comunismo

O comunismo e a expressão positiva da abolição da propriedade privada e, em primeiro lugar, da propriedade privada universal.

Esse comunismo, que nega a personalidade do homem em todos os setores, é somente a expressão lógica da propriedade privada, que é essa negação. A inveja universal estabelecendo-se como uma potência é apenas uma forma camuflada de cupidez que se reinstaura e satisfaz de maneira diferente.

O comunismo é a abolição positiva da propriedade privada, da auto-alienação humana e, pois, a verdadeira apropriação da natureza humana através do e para o homem. Ele é, portanto, o retorno do homem a si mesmo como um ser social, isto é, realmente humano.

A substituição positiva da propriedade privada como apropriação da vida humana, portanto, é a substituição de toda alienação, e o retorno do homem, da religião, do Estado, da família, etc., para sua vida humana, i.é,social.

Por conseguinte, o caráter social é o caráter universal de todo o movimento; da mesma forma que a sociedade produz o homem como homem, também ela é produzida por ele.

O significado humano da natureza só existe para o homem social, porque só neste caso a natureza é um laço com outros homens.

Vimos como, na suposição da propriedade privada ter sido positivamente revogada, o homem produz o homem, a si mesmo e a outros homens; como o objeto que é a atividade direta de sua personalidade, ao mesmo tempo é a existência dele para outros homens e a destes para ele.

A propriedade privada tornou-nos tão néscios e parciais que um objeto só é nosso quando o temos, quando existe para nós como capital ou quando é diretamente comido, bebido, vestido, habitado, etc., em síntese, utilizado de alguma forma.

Os sentidos do homem social são diferentes dos do homem não-social. E só por intermédio da riqueza objetivamente desdobrada do ser humano que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva (um ouvido musical, um olho sensível à beleza das formas, em suma, sentidos capazes de satisfação humana e que se confirmam como faculdades humanas) é cultivada ou criada. Pois não são apenas os cinco sentidos, mas igualmente os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (desejar, amar, etc.), em suma, a sensibilidade humana e o caráter humano dos sentidos, que só podem vingar através da existência de seu objeto, através da natureza humanizada.

O homem necessitado, assoberbado de cuidados, não é capaz de apreciar o mais belo espetáculo. O vendedor de minerais só vê seu valor comercial, não sua beleza ou suas características particulares.

A resolução das contradições teóricas somente é possível através de meios práticos, somente através da energia prática do homem. Sua resolução não é, de forma alguma, portanto, apenas um problema de conhecimentos, mas um problema real da vida, que a filosofia foi incapaz de solucionar exatamente porque viu nele um problema puramente teórico.

A sociedade plenamente constituída produz o homem em toda a plenitude de seu ser, o homem rico dotado de todos os sentidos, como uma realidade permanente. E só em um contexto social que subjetivismo e objetivismo, espiritualismo e materialismo, atividade e passividade, deixam de ser antinomias e, assim, deixam de existir como tais antinomias.

A indústria é a relação histórica concreta da natureza, e portanto da ciência natural, com o homem.

Uma base para a vida e outra para a ciência é, a priori, uma falsidade. A natureza, como se desenvolve através da história humana, no ato de gênese da sociedade humana, é a natureza concreta do homem.

Necessidades, Produção e Divisão do Trabalho

Vimos que a importância deve ser atribuída, em uma perspectiva socialista, à riqueza das necessidades humanas, e consequentemente também a um novo sistema de produção e a um novo objeto de produção.

Com a massa de objetos, por conseguinte, cresce também o reino de entidades estranhas a que o homem se vê submetido. Cada novo produto é uma nova potencialidade de mútua fraude e roubo. O homem torna-se cada vez mais pobre como homem.

A necessidade de dinheiro é, pois, a necessidade real criada pela economia moderna, e a única necessidade por esta criada. A quantidade de dinheiro torna-se cada vez mais sua única qualidade importante.

O poder de seu dinheiro diminui na razão direta do aumento do volume da produção.

A residência cheia de luz que Prometeu, em Ésquilo, indica como uma das grandes dádivas por meio das quais converteu selvagens em homens, deixa de existir para o trabalhador. Luz, ar, e a mais singela limpeza animal deixam de ser necessidades humanas. A imundície, essa corrupção e putrefação que corre pelos esgotos da civilização (isto deve ser tomado literalmente), torna-se o elemento em que o homem vive.

Nenhum de seus sentidos sobrevive, seja sob forma humana, seja mesmo em forma não-humana, animal.

Selvagens e animais podem, ao menos, satisfazer suas necessidades de caçar, fazer exercício e ter companheiros. A simplificação da maquinaria e do trabalho, porém, é utilizada para fazer operários dos que ainda estão crescendo, que ainda estão imaturos, crianças, enquanto o próprio operário converteu-se em uma criança desatendida de qualquer cuidado. A maquinaria é adaptada à fraqueza do ser humano, de modo a transformar o fraco ser humano em máquina.

A venda direta de homens ocorre em todos os países civilizados sob a forma de alistamento nas forças armadas.

Quando artesãos comunistas formam associações, o ensino e a propaganda são seus primeiros objetivos. Mas sua própria associação cria uma necessidade nova - a necessidade da sociedade - o que parecia ser um meio torna-se um fim. Os resultados mais notáveis desse fato prático podem ser vistos quando operários socialistas franceses se reúnem. Fumar, comer e beber não mais são meios de congregar pessoas. A sociedade, a associação, o divertimento tendo também como fito a sociedade, é suficiente para eles; a fraternidade do homem não é frase vazia, mas uma realidade, e a nobreza do homem resplandece sobre nós vindo de seus corpos fatigados.

Dissemos, acima, que o homem está regressando à habitação da caverna, mas numa forma alienada e maligna. O selvagem em sua caverna (um elemento natural que lhe é livremente oferecido para uso e proteção) não se sente um estranho; pelo contrário, sente-se tão em casa quanto um peixe na água. Mas a habitação do pobre num porão é uma habitação hostil.

Ele não pode considerá-la como seu lar, como um lugar onde afinal possa dizer "aqui estou em casa". Pelo contrário, ele se encontra na casa de outra pessoa, a casa de um estranho que está à sua espera diariamente e o despeja se não pagar o aluguel. Ele também se dá conta do contraste entre sua própria morada e uma residência humana, como as que existem naquele outro mundo, o paraíso dos ricos.

A alienação é evidente não só no fato de meu meio de vida pertencer a outrem, de meus desejos serem a posse inatingível de outrem, mas de tudo ser algo diferente de si mesmo, de minha atividade ser outra coisa qualquer, e, por fim (e isso também ocorre com o capitalista), de um poder desumano mandar em tudo.

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