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20.1.16

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel: 1843. 2. ed. rev. São Paulo: Boitempo, 2010. 175 p.

Este é o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz o homem.

A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. ela é o ópio do povo.

A supressão da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real.

A tarefa imediata da filosofia, que está a serviço da história, é, depois de desmascarada a forma sagrada da autoalienação humana, desmascarar a autoalienação nas suas formas não sagradas. A crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da terra, a crítica da religião, na crítica do direito, a crítica da teologia, na crítica da política.

Trata-se de retratar uma pressão sufocante que todas as esferas sociais exercem umas sobre as outras, uma irritação geral, passiva, uma estreiteza que tanto reconhece como ignora a si mesma, situada nos limites de um sistema de governo que vive da conservação de todas as indigências, não sendo ele mesmo mais do que a indigência no governo.

A infinita e progressiva divisão da sociedade nas mais diversas raças, que se defrontam umas às outras com pequenas antipatias, má consciência e grosseira mediocridade.

E até mesmo o fato de serem dominadas, governadas, possuídas, elas têm de reconhecer e admitir como uma concessão do céu! Do outro lado, encontram-se os próprios governantes, cuja grandeza está em proporção inversa ao seu número!

A crítica que se ocupa desse conteúdo é a crítica num combate corpo a corpo, e nele não importa se o adversário é nobre, bem nascido, se é um adversário interessante – o que importa é atingi-lo.

 É preciso tornar a pressão efetiva ainda maior, acrescentando a ela a consciência da pressão, e tornar a ignomínia ainda mais ignominiosa, tornando-a pública.

 É preciso ensinar o povo a se aterrorizar diante de si mesmo, a fim de nele incutir coragem.

Pergunta-se: pode a Alemanha chegar a uma revolução que a elevará não só ao nível oficial das nações modernas, mas à estatura humana que será o futuro imediato dessas nações?

A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também  se torna força material quando se apodera das massas.

 A crítica da religião tem seu fim com a doutrina de que o homem é o ser supremo para o homem, portanto, com o imperativo categórico de subverter todas as relações em que o homem é um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível.

Lutero venceu a servidão por devoção porque pôs no seu lugar a servidão por convicção. Quebrou a fé na autoridade porque restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, transformando os leigos em padres.

As revoluções precisam de um elemento passivo, de uma base material. A teoria só é efetivada num povo na medida em que é a efetivação de suas necessidades.

 Não basta que o pensamento procure se realizar; a realidade deve compelir a si mesma em direção ao pensamento.

O sonho utópico da Alemanha não é a revolução radical, a emancipação humana universal, mas a revolução parcial, meramente política, a revolução que deixa de pé os pilares do edifício. Em que se baseia uma revolução parcial, meramente política? No fato de que uma parte da sociedade civil se emancipa e alcança o domínio universal; que uma determinada classe, a partir da sua situação particular, realiza a emancipação universal da sociedade. Tal classe liberta a sociedade inteira, mas apenas sob o pressuposto de que toda a sociedade se encontre na situação de sua classe, portanto, por exemplo, de que ela possua ou possa facilmente adquirir dinheiro e cultura.

Só em nome dos interesses universais da sociedade é que uma classe particular pode reivindicar o domínio universal.

Para que a revolução de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil coincidam, é necessário que todos os defeitos da sociedade sejam concentrados numa outra classe, é necessário que uma esfera social particular se afirme como o crime notório de toda a sociedade, de modo que a libertação dessa esfera apareça como uma autolibertação universal.

 O significado negativo-universal da nobreza e do clero francês condicionou o significado positivo-universal da classe burguesa, que se situava imediatamente ao lado deles e os confrontava.

Na Alemanha, nenhuma classe da sociedade civil tem a necessidade e a capacidade de realizar a emancipação universal, até que seja forçada a isso por sua situação imediata, pela necessidade material e por seus próprios grilhões. 

Onde se encontra, então, a possibilidade positiva de emancipação alemã? Eis a nossa resposta: na formação de uma classe com grilhões radicais, de uma classe da sociedade civil que não seja uma classe da sociedade civil, de um estamento que seja a dissolução de todos os estamentos, de uma esfera que possua um caráter universal mediante seus sofrimentos universais e que não reivindique nenhum direito particular porque contra ela não se comete uma injustiça particular, mas a injustiça por excelência, que já não possa exigir um título histórico, mas apenas o título humano. Uma esfera, por fim, que não pode se emancipar sem se emancipar de todas as outras esferas da sociedade. Tal dissolução da sociedade, como um estamento particular, é o proletariado.

O proletariado começa a se formar na Alemanha como resultado do emergente movimento industrial, pois o que constitui o proletariado não é a pobreza naturalmente existente, mas a pobreza produzida artificialmente. A massa que provém da dissolução da classe média.

Assim como a filosofia encontra suas armas materiais no proletariado, o proletariado encontra na filosofia suas armas espirituais, e tão logo o relâmpago do pensamento tenha penetrado profundamente nesse ingênuo solo do povo, a emancipação dos alemães em homens se completará.

A única libertação praticamente possível da Alemanha é a libertação do ponto de vista da teoria que declara o homem como o ser supremo do homem.

A emancipação do alemão é a emancipação do homem. A cabeça dessa emancipação é a filosofia, o proletariado é seu coração. A filosofia não pode se efetivar sem a suprassunção do proletariado, o proletariado não pode se suprassumir sem a efetivação da filosofia.

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