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7.4.16

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 1.ed. rev. São Paulo: Boitempo editorial, 2011. 614 p.

A ideologia alemã - Karl Marx
Karl Marx e Friedrich Engels

Prefácio

Até agora, os homens formaram sempre ideias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mutuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por dominá-los e, apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los portanto das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar.

O primeiro volume

Esta obra propõe-se a desmascarar estas ovelhas que se julgam lobos e que são tomadas como lobos mostrando que os seus balidos apenas repetem numa linguagem filosófica as representações dos burgueses alemães.

FEUERBACH
Oposição entre a concepção materialista e a idealista.

INTRODUÇÃO

Nenhum destes filósofos se lembrou de perguntar qual seria a relação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, a relação entre a sua crítica e o seu próprio meio material.

A IDEOLOGIA ALEMÃ E EM ESPECIAL A FILOSOFIA ALEMÃ.
(10)
As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas; são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação. As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência.

Pode-se referir à consciência, à religião e a tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente que é consequência da sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, as homens produzem indiretamente a sua própria vida material.

A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são, o que são coincide portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como o produzem. Aquilo que os indivíduos são depende portanto das condições materiais da sua produção.

São sempre indivíduos determinados, com uma atividade produtiva que se desenrola de um determinado modo, que entram em relações sociais e politicas determinadas. É necessário que, em cada caso particular, a observação empírica (16) mostre nos fatos, e sem qualquer especulação ou mistificação, o elo existente entre a estrutura social e política e a produção.

A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comercio material dos homens; e a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação direta do seu comportamento material.
O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. São os homens que produzem as suas representações, as suas ideias, etc. Mas os homens reais, atuantes, foram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas.

É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas deste processo vital.

Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de autonomia. Não tem história, não tem desenvolvimento;  serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência.

É onde termina a especulação, isto é, na vida real, que começa a ciência real, positiva, a expressão da atividade pratica, do processo de desenvolvimento prático dos homens.

[2]
É certo que não nos preocuparemos em explicar aos nossos sábios filósofos que não é possível levar a cabo uma libertação real sem ser no mundo real e através de meios reais; que não é possível abolir a escravatura sem a máquina a vapor.

(A História)
Para o materialista prático, ou seja, para o comunista, é mister revolucionar o mundo existente, atacar e transformar praticamente o estado de coisas que encontra.

O mundo sensível não é objeto dado diretamente para toda a eternidade, e sempre igual a si mesmo, mas antes o produto da indústria e do estado da sociedade, isto é, um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações, cada uma das quais ultrapassava a precedente, aperfeiçoando a sua indústria e o seu comércio, e modificava o seu regime social em função da modificação das necessidades.

A indústria e o comércio, a produção e a troca das necessidades vitais condicionam a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, sendo, por sua vez, condicionadas por elas no seu modo de funcionamento.

Essa criação material incessante dos homens, essa produção é a base de todo o mundo sensível tal como hoje existe.

O conjunto das forças produtivas acessíveis aos homens determina o estado social e que se deve estudar e elaborar a "história dos homens" em estreita correlação com a história da indústria e das trocas.

A consciência é pois um produto social e continuará a sê-lo enquanto houver homens.
Todas as lutas no seio do Estado, a luta entre a democracia, a aristocracia e a monarquia, a luta pelo direito de voto, etc., etc., são apenas formas ilusórias que encobrem as lutas efetivas das diferentes classes entre si.

Toda a classe que aspira ao domínio, mesmo que o seu domínio determine a abolição de todas as antigas formas sociais da dominação em geral, como acontece com o proletariado, deve antes de tudo conquistar o poder político para conseguir apresentar o seu interesse próprio como sendo o interesse universal, atuação a que é constrangida nos primeiros tempos. Precisamente porque os indivíduos só procuram o seu interesse particular (que para eles não coincide com o seu interesse coletivo, pois a universalidade é apenas uma forma ilusória da coletividade) esse interesse apresenta-se como um interesse particular que lhes é "estranho" e "independente"' e que simultaneamente é um interesse universal especial e particular.

O combate prático destes interesses particulares, que se chocam constante e realmente com os interesses coletivos e ilusoriamente coletivos, torna necessária a intervenção prática e o refreamento através do interesse "universal" ilusório sob a forma de Estado.

A partir do momento em que os homens vivem na sociedade natural, desde que, portanto, se verifica uma cisão entre o interesse particular e o interesse comum, ou seja, quando a atividade já não é dividida voluntariamente, a ação do homem transforma-se para ele num poder estranho que se lhe opõe e o subjuga, em vez de ser ele a dominá-la.

Cada indivíduo tem uma esfera de atividade exclusiva que lhe é imposta e da qual não pode sair; é caçador, pescador, pastor ou crítico e não pode deixar de o ser se não quiser perder os seus meios de subsistência. Na sociedade comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe aprouver, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico.

Uma vez abolida a base, a propriedade privada, e instaurada a regulamentação comunista da produção que acaba com a situação que levava os homens a sentirem os seus produtos como coisas estranhas, toda a força da relação entre a oferta e a procura é reduzida a nada, readquirindo os homens o domínio da troca, da produção e do seu modo de comportamento recíproco.

A concepção da história que acabamos de expor permite-nos ainda tirar as seguintes conclusões:
1. No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estágio em que surgem forças produtivas e meios de circulação que só podem ser nefastos no âmbito das relações existentes e já não são forças produtivas, mas sim forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro), assim como, fato ligado ao precedente, nasce no decorrer desse processo do desenvolvimento uma classe que suporta todo o peso da sociedade sem desfrutar das suas vantagens, que é expulsa do seu seio e se encontra numa oposição mais radical do que todas as outras classes, uma classe que inclui a maioria dos membros da sociedade e da qual surge a consciência da necessidade de uma revolução, consciência essa que é a consciência comunista.

2. As condições em que se podem utilizar forças produtivas determinadas são as condições de dominação de uma determinada classe da sociedade. O poder social desta classe, decorrendo do que ela possui, encontra regularmente a sua expressão prática sob forma idealista no tipo de Estado próprio de cada época; é por isso que toda a luta revolucionária é dirigida contra uma classe que dominou ate então. Em todas as revoluções anteriores, permanecia inalterado o modo de atividade e procedia-se apenas a uma nova distribuição dessa atividade, a uma nova repartição do trabalho entre outras pessoas; a revolução é, pelo contrário, dirigida - contra o modo de atividade anterior - suprime o trabalho e acaba com a dominação de todas as classes pela supressão das próprias classes.

Só uma revolução permitirá à classe que derruba a outra aniquilar toda a podridão do velho sistema e tornar-se apta a fundar a sociedade sobre bases novas.

Esta concepção da história tem portanto como base o desenvolvimento do processo real da produção, contritamente a produção material da vida imediata; concebe a forma das relações humanas ligada a este modo de produção e por ele engendrada, isto é, a sociedade civil nos seus diferentes estágios, como sendo o fundamento de toda a história. Isto equivale a representá-la na sua ação enquanto Estado, a explicar através dela o conjunto das diversas produções teóricas e das formas da consciência, religião, moral, filosofia, etc., e a acompanhar o seu desenvolvimento a partir destas produções; o que permite naturalmente representar a coisa na sua totalidade.

Ela não tenta explicar a prática a partir da ideia, mas sim a formação das ideias a partir da prática material. Chega, portanto, à conclusão de que todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não pela crítica intelectual, mas unicamente pela destruição prática das relações sociais concretas de onde nasceram as bagatelas idealistas. Não é a Crítica mas sim a Revolução que constitui a força motriz da história, da religião, da filosofia ou de qualquer outro tipo de teorias.

[3]
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual.

Os pensamentos dominantes são apenas a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de ideias e, portanto, a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante. Dizendo de outro modo, são as ideias do seu domínio.

Na medida em que dominam enquanto classe, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de ideias, que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época.

Cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para atingir os seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a todos os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das ideias, a dar aos seus pensamentos a forma da universalidade, a representá-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos.

[4]
A existência da cidade implica imediatamente a necessidade da administração, da polícia, dos impostos, etc., numa palavra, a necessidade da organização comunitária, partindo da política em geral. É aí que aparece em primeiro lugar a divisão da população em duas grandes classes, divisão essa que repousa diretamente na divisão do trabalho e nos instrumentos de produção. A cidade é o resultado da concentração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades, ao passo que o campo põe em evidência o fato oposto, o isolamento e a dispersão. É a mais flagrante expressão da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, da subordinação a uma atividade determinada que lhe é imposta.

O êxodo dos servos para as cidades prosseguiu sem qualquer interrupção durante toda a idade média. Estes servos, perseguidos no campo pelos seus senhores, chegavam às cidades onde encontravam uma comunidade organizada contra a qual eram impotentes e no interior da qual lhes era necessário aceitar a situação que lhes atribuíam. A necessidade do trabalho e a jornada nas cidades criou a plebe.
Estas cidades formavam verdadeiras "associações" provocadas pelas necessidades imediatas, pelas preocupações de proteção da propriedade, e estavam a multiplicar os meios de produção e os meios de defesa dos seus membros individualmente considerados. A plebe destas cidades, compondo-se de indivíduos desconhecidos uns dos outros e que chegavam à cidade separadamente, não tinha qualquer organização que lhe permitisse enfrentar um poder já organizado, equipado para a guerra e que os vigiava invejosamente; e isto explica que ela fosse privada de qualquer poder.

As cidades entram em relações entre si, transportam-se de uma cidade para outra instrumentos novos e a divisão da produção e do comercio suscita rapidamente uma nova divisão da produção entre as diferentes cidades, ficando cada uma a explorar predominantemente um determinado ramo da indústria. Os limites anteriores começam pouco a pouco a desaparecer.

A expansão do comércio e da manufatura acelerara a acumulação do capital móvel.
O comércio e a manufatura criaram a grande burguesia.

Evitou-se, tanto quanto possível, por meio de tarifas, proibições e tratados, que as diversas nações pudessem fazer concorrência umas às outras; e, em ultima instância, foram as guerras, e sobretudo as guerras marítimas, que serviram para conduzir a luta da concorrência e decidir do seu resultado. A nação mais poderosa no mar, a Inglaterra, conservou a primazia no comercio e na manufatura. Já aqui se verificava uma concentração num único país.

Este período é igualmente caracterizado pelo levantamento da interdição de exportar o ouro e a prata, pelo nascimento do comércio do dinheiro, dos bancos, das dividas de Estado, do papel-moeda, das especulações sabre os fundos e as ações, da agiotagem sobre todos os artigos, do desenvolvimento do sistema monetário em geral.

A grande burguesia surge como uma classe cujos interesses são os mesmos em todas as nações e para a qual a nacionalidade deixa de existir.

De acordo com a nossa concepção, todos os conflitos da história tem a sua origem na contradição entre as forças produtivas e o modo de trocas.

Nos sucedâneos de comunidades que ate agora existiram, no Estado, etc., a liberdade pessoal só existia para os indivíduos que se tinham desenvolvido nas condições da classe dominante e somente na medida em que eram indivíduos dessa classe. A comunidade aparente, anteriormente constituída pelos indivíduos, adquire sempre perante eles uma existência independente e, simultaneamente, porque significa a união de uma classe em face de uma outra, representa não apenas uma comunidade ilusória para a classe dominada, mas também uma nova cadeia. Na comunidade real, os indivíduos adquirem a sua liberdade simultaneamente com a sua associação, graças a esta associação e dentro dela.


O comunismo distingue-se de todos os movimentos que o precederam pelo fato de alterar a base das relações de produção e de troca anteriores e de, pela primeira vez, tratar as condições naturais prévias como criações dos homens que nos antecederam, despojando-as da sua aparência natural e submetendo-as ao poder dos indivíduos unidos. 

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