Espaço
físico e espaço social
Como o espaço físico é definido pela exterioridade
mútua das partes, o espaço social é definido pela exclusão mútua (ou a
distinção) das posições que o constituem, isto é, como estrutura de
justaposição de posições sociais.
Não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que
não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias
sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada e, sobretudo, dissimulada pelo
efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo
natural acarreta: diferenças produzidas pela lógica histórica podem, assim,
parecer surgidas da natureza das coisas.
“Space consumming" (o consumo mais ou menos
ostentatório do espaço é uma das formas por excelência de ostentação do poder).
Uma parte da inércia das estruturas do espaço social resulta do fato de que
elas estão inscritas no espaço físico e que não poderia ser modificadas senão
ao preço de um trabalho de transplantação, de uma mudança das coisas e de um
desenraizamento ou de uma deportação de pessoas, as quais suporiam
transformações sociais extremamente difíceis e custosas.
O espaço social reificado (isto é, fisicamente
realizado ou objetivado) se apresenta, assim, como a distribuição no espaço
físico de diferentes espécies de bens ou de serviços e também de agentes
individuais e de grupos fisicamente localizados (enquanto corpos ligados a um
lugar permanente) e dotados de oportunidades de apropriação desses bens e
desses serviços mais ou menos importantes (em função de seu capital e também da
distância física desses bens, que depende também de seu capital). É na relação
entre a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se
define o valor das diferentes regiões do espaço social reificado.
A capital é, sem jogo de palavras, ao menos no caso
da França, o lugar do capital, isto é, o lugar do espaço físico onde se
encontram concentrados os pólos positivos de todos os campos e a maior parte
dos agentes que ocupam essas posições dominantes: ela não pode, portanto, ser adequadamente
pensada senão em relação à província (e ao "provincial") que nada
mais é que a privação (totalmente relativa) da capital e do capital.
A incorporação insensível das estruturas da ordem
social realiza-se, sem dúvida, para uma parte importante, através da
experiência prolongada e indefinidamente repetida das distâncias espaciais nas
quais se afirmam distâncias sociais, e também, mais concretamente, através dos
deslocamentos e dos movimentos do corpo que essas estruturas sociais convertidas
em estruturas espaciais e assim naturalizadas organizam e qualificam socialmente
como ascensão ou declínio ("subir a Paris"), entrada (inclusão,
cooptação, adoção) ou saída (exclusão, expulsão, excomunhão), aproximação ou
distanciamento em relação a um lugar central e valorizado.
O espaço é um dos lugares onde o poder se afirma e
se exerce, e, sem dúvida, sob a forma mais sutil, a da violência simbólica como
violência desapercebida.
As lutas
pela apropriação do espaço
Os ganhos do espaço podem tomar a forma de ganhos
de localização, eles mesmos susceptíveis de ser analisados em duas classes: as rendas
(ditas de situação) que são associadas ao fato de estarem situadas perto de
agentes e de bens raros e cobiçados (como os equipamentos educacionais, culturais
ou de saúde); os ganhos de posição ou de classe (como os que são assegurados
por um endereço prestigioso), caso particular dos ganhos simbólicos de
distinção que estão ligados à posse monopolística de uma propriedade distintiva.
A capacidade de dominar o espaço, sobretudo
apropriando-se (material ou simbolicamente) de bens raros (públicos ou privados)
que se encontram distribuídos, depende do capital que se possui. O capital
permite manter à distância as pessoas e as coisas indesejáveis ao mesmo tempo
em que aproximar-se de pessoas e coisas desejáveis (por causa, entre outras
coisas, de sua riqueza em capital), minimizando, assim, o gasto necessário
(principalmente em tempo) para apropriar-se deles: a proximidade no espaço
físico permite que a proximidade no espaço social produza todos os seus efeitos
facilitando ou favorecendo a acumulação de capital social e, mais precisamente,
permitindo aproveitar continuamente encontros ao mesmo tempo casuais e
previsíveis que garante a frequência a lugares bem frequentados.
Inversamente, os que não possuem capital são
mantidos à distância, seja física, seja simbolicamente, dos bens socialmente
mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas ou dos bens mais
indesejáveis e menos raros. A falta de capital intensifica a experiência da
finitude: ela prende a um lugar.
As oportunidades médias de apropriação dos
diferentes bens e serviços materiais ou culturais, associados a um determinado,
especificam-se pelos diferentes ocupantes desse habitat segundo as capacidades
de apropriação (materiais - dinheiro, meios de transporte particulares- e
culturais) que cada um detém como propriedade. Pode-se ocupar fisicamente um
habitat sem habitá-lo propriamente falando se não se dispõem dos meios
tacitamente exigidos, a começar por um certo hábito.
Sob pena de se sentirem deslocados, os que penetram
em um espaço devem cumprir as condições que ele exige tacitamente de seus
ocupantes.
Não basta entrar em Beaubourg para se apropriar do
museu de arte moderna.
O bairro chique, como um clube baseado na exclusão
ativa de pessoas indesejáveis, consagra simbolicamente cada um de seus
habitantes, permitindo-lhe participar do capital acumulado pelo conjunto dos
residentes: ao contrário, o bairro estigmatizado degrada simbolicamente os que
o habitam, e que, em troca, o degradam simbolicamente, porquanto, estando
privados de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes jogos
sociais, eles não têm em comum senão sua comum excomunhão.
A reunião num mesmo lugar de uma população
homogênea na despossessão tem também como efeito redobrar a despossessão,
principalmente em matéria de cultura e de prática cultural.
A demissão
do Estado
A vontade, plenamente louvável, de ir ver as coisas
pessoalmente e de perto, leva, por vezes, a procurar os princípios explicativos
das realidades observadas exatamente no lugar onde eles não se encontram (pelo
menos, na sua totalidade), isto é, no próprio local da observação: assim, é
certo que a verdade do que acontece nos "subúrbios difíceis" não
reside nesses lugares.
A nobreza do
Estado e o liberalismo
É impossível compreender o estado das coisas - em
matéria de habitação, assim como em muitos outros setores - sem levar em
consideração a conversão coletiva à visão neoliberal que, iniciada nos anos 70,
culminou, em meados dos anos 80, com a adesão dos dirigentes socialistas.
Foi acompanhada pela demolição da ideia de serviço
público: transformando o liberalismo econômico na condição necessária e
suficiente da liberdade política, o intervencionismo do Estado é assimilado ao
"totalitarismo"; identifica-se a "modernização" com a
transferência para o privado dos serviços públicos mais rentáveis e com a
liquidação ou submissão do pessoal subalterno dos serviços públicos, considerado
como responsável por toda a ineficiência.
Mão direita
e mão esquerda do Estado
A ajuda direta à pessoa toma o lugar das antigas
formas de melhoria dos serviços públicos, sendo que já foi mostrado que estas
têm consequências completamente diferentes: em perfeita conformidade com a
visão liberal, a ajuda direta "reduz a solidariedade a uma simples
alocação financeira" e visa somente permitir o consumo (ou incitar a um
consumo maior), sem procurar orientar ou estruturar tal consumo.
Passamos, assim, de uma política de Estado que visa
agir sobre as próprias estruturas da distribuição para uma política que visa simplesmente
corrigir os efeitos da distribuição desigual dos recursos de capital econômico
e cultural, isto é, para uma caridade de Estado destinada, como nos bons velhos
tempos da filantropia religiosa, aos "pobres merecedores" (deserving
poors).
Com o enfraquecimento do sindicalismo e das
instâncias mobilizadoras, as novas formas que a ação do Estado reveste
contribuem para a transformação do povo (potencialmente) mobilizado em um
agregado heterogêneo de pobres atomizados, "excluídos".
A escola dos
subproletários
O sentimento de estarem acorrentados pela falta de
dinheiro e de meios de transporte a um lugar degradante
("apodrecido") e votados à degradação (e às degradações) que pesa
sobre eles como maldição ou, muito simplesmente, um estigma, que impede o
acesso ao trabalho, lazer, bens de consumo, etc.; e, mais profundamente, a
experiência inexoravelmente repetida do fracasso, antes de tudo na escola, e
depois no mercado do trabalho que impede ou desencoraja qualquer antecipação
razoável do futuro.
Refazer a
história
Se me pareceu necessário evocar uma das séries
causais que conduzem dos lugares mais centrais do Estado até às regiões mais
deserdadas do mundo social, colocando a ênfase, ao mesmo tempo, na dimensão
propriamente política dos processos - sem dúvida, infinitamente mais complexos -
que levaram a um estado de coisas nunca pensado ou desejado por quem quer que
fosse, não é para me sacrificar à lógica da denúncia e da acusação, mas
procurar abrir possibilidades para uma ação racional com o objetivo de desfazer
ou refazer o que a história fez.
Não é inútil mostrar o elo entre uma política
neoliberal que visa arrancar a pequena burguesia ao habitat coletivo - e, por
esse meio, ao "coletivismo", e ligá-la à propriedade privada de sua
casa ou de seu apartamento em condomínio e, ao mesmo tempo, à ordem
estabelecida - e a segregação espacial, favorecida e reforçada pela retirada do
Estado.
Com a irrupção no campo político de um partido que,
como o Front National, baseou toda a sua estratégia na exploração da xenofobia
e racismo, qualquer debate político passou a organizar-se, mais ou menos
diretamente, em torno do problema da imigração.
De fato, é com base na pretensão ao monopólio do
acesso às vantagens econômicas e sociais associadas à cidadania que os
dominados nacionais podem se sentir solidários com os dominadores nacionais
contra os "imigrantes".
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