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10.1.17

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 165p.

O que é fato social?

Quando desempenho meu papel de irmão, esposo ou cidadão, ou assumo os compromissos que firmei, cumpro deveres definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes.

Maneiras de agir, pensar e sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências individuais.

Não só esses tipos de comportamento ou de pensamento são exteriores ao indivíduo, como dotados de um poder imperativo e coercitivo graças ao qual, queira ele ou não, se lhe impõem.

Se não me submeto às convenções sociais, se, ao me vestir, simplesmente ignoro os costumes seguidos no meu país e na minha classe, o riso que eu provoco e o isolamento de que sou objeto produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita.

Maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se impõem a ele.

considerando que os exemplos que acabamos de citar (regras jurídicas, morais, dogmas religiosos, sistemas financeiros etc.) consistem, sem exceção, em crenças e práticas constituídas, poder-se-ia crer, pelo que precede, que não existe fato social senão onde há organização definida.

Toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, sentir e agir às quais ela não teria espontaneamente chegado.

A finalidade da educação é, justamente, formar o ser social.

Essa pressão de todos os instantes sofrida pela criança é a pressão mesma do meio social, que tende a modelá-la à sua imagem e da qual pais e professores não passam de representantes e intermediários.

Um fato social é identificado pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença dessa força, por sua vez, é constatada seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a lhe fazer violência.

É fato social toda maneira de fazer, estabelecida ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção externa; ou ainda, que ele é geral na extensão de determinada sociedade, embora tenha existência própria, independentemente de suas manifestações individuais.

Os meios de comunicação não passam de um leito de rio autoescavado, correndo na mesma direção.

Regras relativas à observação dos fatos sociais

A primeira regra e a mais fundamental é considerar os fatos sociais como coisas.

A reflexão é anterior à ciência, que apenas se serve dela com mais método. O homem não pode viver em meio às coisas sem formar a respeito delas ideias, de acordo com as quais regula sua conduta.

Em vez de uma ciência de realidades, não fazemos mais do que uma análise ideológica.

No estado atual de nossos conhecimentos, não sabemos com certeza o que é o Estado, a soberania, a liberdade política, a democracia, o socialismo, o comunismo etc.; o método aconselharia, portanto, a que nos proibíssemos todo uso desses conceitos enquanto eles não estivessem cientificamente constituídos. Entretanto, as palavras que os exprimem retornam a todo momento nas discussões dos sociólogos.

Elas são empregadas correntemente e com segurança como se correspondessem a coisas bem conhecidas e definidas, quando apenas despertam em nós noções confusas, misturas indistintas de impressões vagas, de preconceitos e de paixões.

Se o valor fosse estudado como uma realidade deve sê-lo, veríamos primeiro o economista indicar em que se pode reconhecer a coisa chamada com esse nome, depois classificar suas espécies, buscar por induções metódicas as causas em função das quais elas variam, comparar enfim os diversos resultados para obter uma fórmula geral. A teoria portanto só poderia surgir quando a ciência tivesse avançado bastante. Em vez disso, encontramo-la desde o início. E que, para fazê-la, o economista contenta-se em recolher, em tomar consciência da ideia que ele tem do valor, ou seja, de um objeto suscetível de ser trocado;

É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós.

O caráter convencional de uma prática ou de uma instituição jamais deve ser presumido.

Recairemos inevitavelmente nos antigos erros se não nos submetermos a uma disciplina rigorosa, cujas regras principais, corolários da precedente, iremos formular.

É preciso descartar sistematicamente todas as prenoções.

É preciso, portanto, que o sociólogo, tanto no momento em que determina o objeto de suas pesquisas como no curso de suas demonstrações, se proíba resolutamente o emprego daqueles conceitos que se formaram fora da ciência e por necessidades que nada têm de científicas.

O que torna essa libertação particularmente difícil em sociologia é que o sentimento com frequência se intromete. Apaixonamo-nos, com efeito, por nossas crenças políticas e religiosas, por nossas práticas morais, muito mais do que pelas coisas do mundo físico; em consequência, esse caráter passional transmite-se à maneira como concebemos e como nos explicamos as primeiras.

O primeiro procedimento do sociólogo deve ser, portanto, definir as coisas de que ele trata, a fim de que se saiba e de que ele saiba bem o que está em questão. Essa é a primeira e a mais indispensável condição de toda prova e de toda verificação; uma teoria, com efeito, só pode ser controlada caso se saiba reconhecer os fatos que ela deve explicar.

Jamais tomar por objeto de pesquisas senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhes são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos os que correspondem a essa definição. Por exemplo, constatamos a existência de certo número de atos que apresentam, todos, o caráter exterior de, uma vez efetuados, determinarem de parte da sociedade essa reação particular que é chamada “pena”. Fazemos deles um grupo sui generis, ao qual impomos uma rubrica comum; chamamos crime todo ato punido e fazemos do crime assim definido o objeto de uma ciência especial, a criminologia.

Com efeito, o modo como os fatos são assim classificados não depende dele, da propensão particular de seu espírito, mas da natureza das coisas.

Por mais evidente e importante que seja essa regra, ela não é muito observada em sociologia. Precisamente por esta tratar de coisas das quais estamos sempre falando, como a família, a propriedade, o crime etc., na maioria das vezes parece inútil ao sociólogo dar-lhes uma definição preliminar e rigorosa. Estamos tão habituados a nos servir dessas palavras, que voltam a todo instante no curso das conversações, que parece inútil precisar o sentido no qual as empregamos. As pessoas se referem simplesmente à noção comum. Ora, esta é muito frequentemente ambígua.

É a mesma falta de método que faz certos observadores recusarem aos selvagens toda espécie de moralidade.21 Eles partem da ideia de que nossa moral é a moral; ora, é evidente que ela é desconhecida dos povos primitivos ou que só existe neles em estado rudimentar. Mas essa definição é arbitrária. Apliquemos nossa regra e tudo se modifica. Para decidir se um preceito é moral ou não, devemos examinar se ele apresenta ou não o sinal exterior da moralidade; esse sinal consiste numa sanção repressiva difusa, ou seja, numa reprovação da opinião pública que vinga toda violação do preceito. Sempre que estivermos em presença de um fato que apresenta esse caráter, não temos o direito de negar-lhe a qualificação de moral; pois essa é a prova de que ele é da mesma natureza que os outros fatos morais.

Claro, não é a pena que faz o crime, mas é por ela que ele se revela exteriormente a nós, e é dela portanto que devemos partir se quisermos chegar a compreendê-lo.

Visto ser pela sensação que o exterior das coisas nos é dado, pode-se portanto dizer, em resumo: a ciência, para ser objetiva, deve partir não de conceitos que se formaram sem ela, mas da sensação. É dos dados sensíveis que ela deve tomar diretamente emprestados os elementos de suas definições iniciais.

Os fatos sociais são tanto mais suscetíveis de ser objetivamente representados quanto mais completamente separados dos fatos individuais que os manifestam.

De fato, uma sensação é tanto mais objetiva quanto maior a fixidez do objeto ao qual ela se relaciona; pois a condição de toda objetividade é a existência de um ponto de referência, constante e idêntico, ao qual a representação pode ser relacionada e que permite eliminar tudo o que ela tem de variável — portanto, de subjetivo.

Quando, portanto, o sociólogo empreende a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais, ele deve esforçar-se em considerá-los por um lado em que estes se apresentem isolados de suas manifestações individuais.

Conclusão de As regras do método sociológico

Resumindo, as características desse método são as seguintes. Em primeiro lugar, ele é independente de toda filosofia. Por ter nascido das grandes doutrinas filosóficas, a sociologia conservou o hábito de escorar-se em qualquer sistema de que se sinta solidário. Foi, por exemplo, positivista, evolucionista, espiritualista, ao passo que deve limitar-se a ser pura e simplesmente sociologia.

O sociólogo, não sendo um místico, concebe uma obra de ciência.

Não cabe à sociologia tomar partido entre as grandes hipóteses que dividem os metafísicos. Tampouco lhe cabe defender a liberdade ou o determinismo. Tudo o que ela pede que lhe concedam é que o princípio de causalidade seja aplicado aos fenômenos sociais.

Com respeito às doutrinas práticas, nosso método permite e exige a mesma independência. A sociologia assim entendida não será nem individualista, nem comunista, nem socialista, no sentido vulgarmente atribuído a essas palavras. Por princípio, irá ignorar essas teorias, nas quais não poderia reconhecer valor científico, uma vez que elas tendem claramente não a exprimir os fatos, e sim a reformá-los.

Em segundo lugar, nosso método é objetivo. Ele é dominado integralmente pela ideia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados.

Se os fenômenos sociológicos não passam de sistemas de ideias objetivadas, explicá-las é repensá-las em sua ordem lógica e essa explicação é em si mesma sua prova; no máximo, podemos confirmá-la com alguns exemplos.

Ao contrário, apenas experiências metódicas podem arrancar das coisas o seu segredo.

Por outro lado, embora consideremos os fatos sociais como coisas, é como coisas sociais. Ser exclusivamente sociológico é o terceiro traço característico de nosso método.

Como condição de iniciação prévia, pedimos às pessoas que se despojem dos conceitos que estão habituadas a aplicar a uma ordem de coisas, para repensá-las sob uma nova luz.

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