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13.4.17

ZEPEDA, José de Jesús Legorreta. Secularização ou ressacralização? O debate sociológico contemporâneo sobre a teoria da secularização. Rev. bras. Ci. Soc. [online]. 2010, vol.25, n.73, pp.129-141.

Introdução

Alguns autores inclusive chegaram a pensar que com a modernização da sociedade a religião poderia decrescer ou até desaparecer. A este conjunto de mudanças pelo qual a religião perde sua relevância social, ideológica e institucional é o que genericamente chamamos secularização.

A religião, em vez de desaparecer, como haviam sugerido diversas vozes desde o século XIX, não somente resistia nas suas diversas formas, como também começava a se assistir com assombro um intenso e extenso surgimento de novos movimentos religiosos.

Um breve relato deste debate sociológico é o que apresentaremos a seguir, a fim de refletir, a partir de uma perspectiva ideológica, a utilidade ou não do conceito de secularização para explicar a atual efervescência religiosa.

A teoria da secularização em debate

Modernidade: trata-se de um processo sócio-histórico complexo e multidimensional – original da Europa Central –, caracterizado fundamentalmente por uma visão de mundo descentrada, profana e pluralista.

Também se podem mencionar, como características típicas da modernidade, a primazia da razão instrumental, o individualismo, a compreensão otimista da história como progresso.

A modernidade implica uma alteração do papel central desempenhado pela a religião em sociedades tradicionais, como elemento legitimador e integrador, dando sentido e articulando as diferentes esferas sociais. Este processo, usualmente conhecido como “processo de secularização”, foi lido por diversos teóricos (Comte, Spencer, Marx) como uma dinâmica de emancipação cujo fim levaria a uma sociedade “sem religião”.

Durkheim e Weber: para ambos os autores, mesmo que a religião fosse perdendo sua influência social, também ficava mais ou menos claro que não estava necessariamente condenada a desaparecer, mas sim a transformar-se, desfazendo-se de algumas fórmulas mágicas e adotando outras novas.

“Tese dura ou forte da secularização” e seria concebida como um processo lento e inexorável a caminho do fim da religião; a segunda, ou seja, a “tese suave da secularização” afirmará que se trata de um processo pelo qual a religião sofre severas alterações na modernidade, mas persiste disseminada.

Peter Berger e Thomas Luckmann deram um novo impulso à reflexão sociológica sobre a secularização ao constatar, desde diversos ângulos, os limites e as insuficiências da chamada “tese dura”.

Berger advertia que esse fato possibilitava um pluralismo religioso, desmonopolizando as tradições religiosas hegemônicas, colocando-as em concorrência umas com as outras, mas não eliminando-a.

Luckmann provou como a religião, em vez de se destruir, transformava-se influenciada pela estrutura simbólica e social na qual tinha lugar.

Críticas à teoria da secularização: uma teoria complexa de mudança social deve se correlacionar a uma teoria complexa da secularização. ignorar isto leva a afirmações igualmente simplistas quando se faz referência ao surgimento de novos movimentos religiosos

Se por secularização entende-se o processo pelo qual a religião tende a desaparecer inevitavelmente nas sociedades modernas, vários fatos históricos e a discussão sociológica mostraram que tal afirmação é insustentável.

Secularização: um paradigma multidimensional

José Casanova refere-se à secularização como um paradigma no qual distingue três diferentes propostas:
a) secularização como diferenciação estrutural e funcional (emancipação) das esferas seculares com respeito às instituições e às normas religiosas
b) secularização como declínio nas crenças e práticas religiosas
c) secularização como marginalização da religião à esfera privada

Pós-modernidade e religião: secularização ou ressacralização?

Desde o último terço do século XX tornou-se lugar comum falar da “crise da modernidade”. Com essa expressão procura-se sinalizar o mal-estar generalizado que experimenta o homem comum (por exemplo, na desorientação e nas incertezas perante os valores) em relação ao sistema econômico e ao espaço político.

Para os críticos sociais (sendo Habermas seu maior representante, incluindo também Claus offe, Alain t ouraine e Anthony giddens), as contradições e as incertezas inerentes a esta nova situação, mais do que apontar para o fim da modernidade, como assinalaram os pós-modernos, indicam que assistimos à radicalização daquelas tendências e tensões ambivalentes que já estavam presentes.

Observa-se um crescimento explosivo na diversidade religiosa. Todas essas expressões religiosas compartilham de uma ou outra forma o “espírito” da “modernidade radicalizada”: desconfiança ante a racionalidade contemporânea, pretensão de ruptura ante as práticas e as formas religiosas institucionais herdadas e de forte carga “emocional” e individual, exceto alguns fundamentalismos (Hervieu-Leger, 1987, pp. 221-222).

O que observamos é uma radicalização da “diferenciação” vislumbrada por Weber dentro das próprias crenças e das novas formas religiosas.

Essa situação peculiar é o que possibilita compreender a constante disseminação da religião nos interstícios das esferas públicas e privadas, assim como o surgimento cada vez maior de uma religiosidade de bricolagem, de uma “religião à la carte”, desenhada de acordo com preferências individuais, mais do que seguindo a lógica e a coerência de um sistema doutrinal.

Portanto, a vitalidade dessas formas emocionais de religião não nega a teoria da secularização, já que agora, mais do que antes, a proliferação de grupos religiosos, a competição entre eles e a precariedade de suas adesões e crenças debilitam qualquer pretensão de tornar a instituição religiosa um fator de coesão social (Idem, pp. 13-15). Em suma, a secularização instalou o “reino do fragmento” (pluralismo) entre as próprias instituições religiosas, as quais vivem um processo inevitável de relativização. os indivíduos, por sua vez, veem-se condenados a escolher e a flexibilizar as crenças.

Essa condição inédita da religião na modernidade tardia é o que Martelli chama de “desseculari-zação”, em vez de ressacralização.

o processo de dessecularização coexiste com o processo de secularização, isto é, mantém-se a emancipação de diversas instituições da tutela religiosa, ao mesmo tempo em que as crenças e as práticas herdadas coexistem e interpenetram-se com novas crenças e movimentos religiosos, criando uma situação inédita, pois nem se trata de um simples retorno religioso do passado, tampouco de uma dissolução da secularização.

Da “sociedade secularizada” a “sociedade pós-secular”

Esse novo contexto conduz à revalorização do plano simbólico e à necessidade de se dar sentido à vida, elementos que estão intrinsecamente articulados em todas as tradições religiosas.

Assim, pode-se falar em “religiões públicas” no sentido de que operam publicamente no espaço da “sociedade civil”. José Casanova define a “religião pública” como aquela que, [...] mesmo aceitando a desoficialização estatal e a neutralidade com respeito à disputa política, reclamam pelo direito de intervir, dialógica ou polemicamente na esfera pública da sociedade civil. o resultado dessa reformulação é uma concepção da religião pública compatível com as liberdades do liberalismo e com a moderna diferenciação estrutural e cultural (Casanova, 1995, p. 404).

Jürgen Habermas chama a persistência indefinida das comunidades religiosas em um ambiente secularizador de sociedade “pós-secular” (Habermas, 2001).

Trata-se de uma sociedade que tem superado a “fé cientificista” de uma pura e dura compreensão objetiva do ser humano (que nem é ciência, mas filosofia ruim), concedendo às convicções religiosas, com seus fundamentos morais, ser uma voz necessária entre outras no interior do espaço público.

A religião na globalização

José Casanova identifica duas grandes mudanças no campo da religião: a revitalização das grandes tradições ou “religiões do mundo”, mas como comunidades religiosas “imaginadas”, transnacionais e globalizadas.

A outra mudança diz respeito à “desprivatização religiosa”, ou seja, a incursão da religião na esfera pública e no campo de batalha do protesto político, não só para defender seu feudo tradicional, mas também para participar das mesmas lutas no sentido de definir e assentar as fronteiras modernas entre as esferas pública e privada, entre legalidade e moralidade, entre família, sociedade civil, economia e Estado na escala global.

Conclusão

A persistência da religião e, em muitos casos, o crescente papel de protagonista adquirido na dinâmica social de nossas sociedades hipermodernas e globalizadas têm levado muitos a pensar na obsolescência das teorias sociológicas sobre a secularização.


Para a maioria dos autores aqui analisados, as características do ressurgimento religioso se ergueram com base no “espírito” da modernidade radicalizada (pluralismo, preeminência do emocional, desconfiança da razão etc.).

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