Páginas

20.6.17

MARIANO, Ricardo. Usos e limites da teoria da escolha racional da religião. Tempo social, v. 20, n. 2, p. 41-66, 2008.

A teoria da escolha racional da religião veio a público nos anos de 1980 com os trabalhos do sociólogo norte-americano Rodney Stark.

No início da década de 1990, com poucos anos de exis-tência, essa perspectiva foi alçada à condição de “novo paradigma” teórico da sociologia da religião (cf. Warner, 1993). Tal reconhecimento, ao mesmo tempo que atestou sua influência, fez recrudescer a discussão a seu respeito.

Racionalidade maximizadora

Stark postula que “os seres humanos buscam o que percebem ser recompensas e evitam o que percebem ser custos” (1997, pp. 6-7). Eis a premissa básica dessa teoria.

No plano religioso, “as pessoas fazem escolhas da mesma maneira que fazem outras escolhas, pesando custos e benefícios” (Stark, 1999a, p. 265).

Na busca por benefícios, segundo Stark (cf. Idem, p. 265), os seres huma-nos “querem religião” por ser a única fonte plausível de certas recompensas, incluindo aquelas indisponíveis aqui e agora para todos – como a tão dese-jada vida após a morte –, para as quais, a seu ver, há uma “demanda geral e inexaurível”.

Para obter recompensas religiosas, os indivíduos procuram utilizar e manipular o sobrenatural, efetuando relações de troca com os deuses (cf. Stark, 1999a, pp. 269-270).

As organizações religiosas, portanto, “serão capazes de requerer compromissos exclusivos e longos à medida que ofere-cerem recompensas extramundanas” (Idem, p. 279).

Stark (1999a, p. 266) define racionalidade da seguinte forma: “Dentro de seus limites de in-formação e compreensão, restringidos pelas opções disponíveis, guiados por suas preferências e gostos, os seres humanos tentam fazer escolhas racio-nais”. Fazer uma escolha racional significa sempre “tentar maximizar”.

O lado positivo da perspectiva de considerar racionais escolhas e com-portamentos religiosos consiste, de um lado, em “enfatizar mais o papel da agência humana nos processos religiosos” – ao menos no que concerne à escolha da religião – e, de outro, em desfazer-se de um sem-número de concepções preconceituosas, que os consideram, de saída, opiáceos, irra-cionais, patológicos, produtos da ignorância, de lavagem cerebral e de cri-ses sociais (cf. Frigerio, 2000, p. 132).

O lado problemático está no tipo estrito de racionalidade que suposta-mente anima as escolhas e os comportamentos religiosos. Constitui sério limite da teoria da escolha racional da religião sua ferrenha disposição de trabalhar apenas com uma forma restrita de racionalidade, a instrumental ou maximizadora, por meio da qual procura enfeixar crenças, práticas e compromissos religiosos, tratando-os invariavelmente como ações auto-in-teressadas (cf. Jerolmack, 2004, p. 157).

Para Weber, os indivíduos têm necessidades de sentido (para lidar, por exemplo, com o sofrimento injusto e a morte) e interesses de compensação da insuficiência da existência terrena e de legiti-mação da boa fortuna, condicionados por suas posições sociais. Assim, aos desprivilegiados, a religião redentora promete “esperança de compensação” do sofrimento no outro mundo; aos privilegiados, oferece a “teodicéia da boa sorte”, isto é, uma explicação para legitimar sua posição social domi-nante.

Economia religiosa

O dossel sagrado (lançado originalmente em 1969), de Peter Berger, consagrou, na sociologia da religião norte-americana dos anos de 1970 e 1980, a idéia de que o pluralismo religioso debilita a religião, por multiplicar o número de estruturas de plausibilidade concorrentes, relativi-zar o conteúdo dos discursos religiosos concorrentes, privatizá-los, subjeti-vá-los e, com isso, torná-los objetos de ceticismo, descrença e indiferença (cf. Berger, 1985). O exemplo histórico da vitalidade da religião nos Estados Unidos, com seu notório pluralismo2, por si só torna problemática a pers-pectiva teleológica de Berger. A idéia de que a multiplicação das estruturas de plausibilidade concorrentes acarreta necessariamente relativismo, des-crédito e ceticismo religiosos, e, com isso, secularização, mostra-se frágil diante da evidência empírica da força das seitas e das crenças e compromis-sos religiosos de seus membros nesse contexto religioso marcadamente libe-ral, tolerante, pluralista e desregulado pelo Estado.

Stark (1997, pp. 17-18) rejeita a visão de que o pluralismo competitivo seja uma força maligna que mina o vigor da religião. Ao contrário, defende que, quanto mais pluralista e competitiva for uma economia religiosa, maior será seu nível de participação religiosa. Inversamente, os níveis de compromisso e participação religiosos da população serão mais baixos nas economias religiosas dominadas por monopólios apoiados pelo Estado (cf. Stark e Iannaccone, 1992, p. 2032).

Os monopólios tendem a ser preguiçosos e oferecer um produto tépido, diminuindo o inte-resse e o consumo dos religiosos (cf. Stark e Iannaccone, 1992, p. 2033).

A economia religiosa brasileira contemporânea é pluralista, competitiva e funciona como um mercado livre, apesar da hegemonia e da maior legiti-midade social da Igreja Católica, e dos privilégios estatais de que usufrui. Por isso, o contexto brasileiro constitui excelente campo de aplicação e teste da teoria da escolha racional da religião. Tanto por se destacar nesse merca-do como por seu denodo proselitista, a vertente pentecostal compõe objeto de pesquisa que se encaixa como uma luva nessa perspectiva teórica. Pois, do lado da oferta, diversas igrejas pentecostais apresentam ampla disposição para enfrentar a concorrência, competir por mercado, fazer proselitismo, criar novas demandas, exigir compromisso exclusivo dos adeptos, adotar técnicas publicitárias, estratégias de marketing e métodos de gestão e organi-zação típicos da racionalidade econômica. Do lado da demanda, por sua vez, verifica-se a presença, em larga escala, de uma racionalidade instrumen-tal fomentada pela oferta de serviços mágicos e por promessas de benefícios materiais e espirituais baseadas em relações de reciprocidade e de troca.

Nenhum comentário: