Páginas

20.6.17

NOVAES, Regina. Jovens sem religião: sinais de outros tempos. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). Religiões em movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 175-190.

O crescimento de brasileiros que se declararam sem religião tem suscitado busca de explicações. Segundo resultado do Censo de 2010 (IBGE), esse grupo respondia por 7,4% dos declarantes em 2000, passa hoje a responder por 8%.

1  Entre os censos de 2000 e 2010: as pesquisas e os “jovens sem religião”

Percebeu-se que os jovens sem religião não estavam apenas nos estados do desenvolvido Sudeste, mas também em áreas de “frente de expansão”, nas regiões Norte e Centro-Oeste

A pesquisa constatou também “jovens sem religião” na área rural, onde os ateus praticamente não existem. Contudo, confirmando resultados da pesquisa do Projeto Juventude acima citada, entre os “jovens sem religião” predominam atividades urbanas[1].

A particularidade desta pesquisa foi a comparação entre as respostas dos jovens (18 a 29 anos) e dos adultos (de 30 a 60 anos). Seu principal achado foi constatar a diminuição da transferência religiosa intergeracional do catolicismo, religião historicamente dominante nos seis países. Em todos, os jovens são menos católicos do que seus pais

Pode-se concluir que os resultados convergem na reafirmação da presença de “jovens sem religião” que não se autoclassificaram como ateus ou agnósticos. Assim como convergem no reconhecimento de considerável diferenciação interna – em termos de renda, escolaridade, região, local de moradia – dos jovens sem religião que são parte de uma geração que experimenta a descontinuidade com as religiões de seus pais. Convergências estas que foram reafirmadas no Censo de 2010.

2  O Censo de 2010: os sem-religião, contextos e condições de vida

No Censo de 2010 perguntou-se “Qual é sua religião?”

Limites desta única pergunta são evidentes: a) Há riscos de diferentes entendimentos sobre “o que é religião?”; b) Abrem-se espaços para soluções contingentes para casos de respostas que não se encaixam na classificação adotada; c) Ter apenas uma pergunta limita a identificação de práticas, vínculos e crenças simultâneas[3].

Porém, houve um avanço. Pela primeira vez, a categoria sem religião foi desmembrada em grupos de ateus, agnósticos e propriamente sem religião.

Segundo o Censo de 2010, os sem-religião vivem, sobretudo nas cidades, mas não estão ausentes no campo. São mais negros e pardos e menos brancos do que na média nacional. Entre os sem-religião, a declaração de cor mais presente foi parda (47,1%), mas estão presentes também entre brancos e negros. Estão mais entre os homens (9,7%), mas também entre mulheres (6,4%).

Em termos de rendimento mensal domiciliar, os evangélicos pentecostais (63,7%) têm maior proporção de pessoas na faixa de até 1 salário mínimo per capita, seguidos dos sem-religião (59,2%) e dos católicos (55,8%). Ou seja, menos do que os católicos (e mais do que os evangélicos), cerca de 40% dos sem-religião estão espalhados por outros estratos da pirâmide social.

3  Condição juvenil e religiosidade: entre a dinâmica do território e a grande rede

Haveria um maior número de sem religião entre jovens-jovens. Considerando que é neste momento em que se evidencia o desejo e a expectativa de autonomia em relação à fam

4  Catolicismos e pentecostalismos: continuidades e descontinuidades explicativas

Nos anos de 1970, quando escrevi Os escolhidos de Deus, o catolicismo era visto como “a lei dos pais”. A conversão ao pentecostalismo era assim descrita pelos meus entrevistados católicos: “ele rompeu com a lei de família”. Rebatendo tal argumento, os convictos convertidos respondiam: “a salvação é individual, meu pai não me salva e eu não posso salvar ninguém da família. Só posso levar para eles a Palavra de Deus”.

Naquele contexto, o catolicismo expressava a memória coletiva e o pentecostalismo era marcado pela ruptura da conversão e exclusividade do pertencimento.

Socializados em novo contexto, diferentemente do que ocorria quando seus avós e pais eram jovens, os jovens de hoje já cresceram respondendo “Qual Igreja?” para quem chegasse no centro ou nas periferias das cidades perguntando “Onde fica a igreja?”

5  As hierarquias e os preconceitos no campo religioso: um novo lugar para os sem-religião

Convive-se hoje com várias imagens contraditórias dos evangélicos. Por um lado, o crente correto, bom trabalhador e “afastado das vaidades do mundo”, por outro os pastores enriquecidos e a população ingênua, manipulada.

Ao mesmo tempo, na mídia, sobretudo em tempos eleitorais, prevalecem as imagens da aguerrida “bancada evangélica” e de certos pastores televisivos – em sua contínua batalha moral, sobretudo contra a descriminalização do aborto e a união civil de pessoas do mesmo sexo. Ou seja, em diferentes dimensões, são vários e diversificados os vetores que contribuem para alimentar desconfiança frente aos pentecostais.

6  Confluências entre juventude, religiosidade digital e valorização da “diversidade”

Com a diminuição da transferência religiosa intergeracional e com a dissociação entre vida sexual e casamento modificam-se padrões de moralidade e restringe-se o peso das autoridades religiosas. A diversidade torna-se uma realidade nas múltiplas trajetórias juvenis.

A circulação e as disputas em torno da noção da diversidade foram potencializadas pelas Tecnologias da Informação.

Uma inédita conjugação de espaços geográficos e eletrônicos contribui para que os jovens de hoje experimentam “novas maneiras de ser, novas cadeias de valores e novas sensibilidades sobre o tempo, o espaço e os acontecimentos culturais” (CASTELLS, 2006).

7  Os jovens sem religião: disputas (e não ausência) de valores

Declarar-se sem religião pode ser um ponto de partida, um interregno entre pertencimentos ou um ponto de chegada onde se realiza sínteses pessoais combinando elementos de diferentes tradições religiosas e esotéricas.

Da mesma forma que esta geração reinventa formas de participação política fora (e dentro) dos lugares usuais da política (sindicatos, partidos, movimentos organizados), sua “vida religiosa” precisa ser compreendida na intercessão entre territórios de pertencimentos e redes de comunicação.

Para concluir, vale citar as palavras de uma jovem que já frequentou igrejas católica e pentecostais e que hoje se define como sem religião e “discute religião” em ambientes digitais. Diz ela: “Na igreja a gente participa, mas não interage. Já na internet posso expressar minha fé de maneira mais livre, tenho contato com pessoas de crenças diferentes. A gente debate e aprende”.

Por fim, importante salientar, nos dias de hoje as representações e práticas religiosas não se fazem apenas por dentro dos circuitos institucionais, mas também por fora e à margem, mas sempre incluem disputas – e não ausência – de valores.

Nenhum comentário: